Será que a sua alimentação é realmente saudável? Com a correria do dia a dia nem sempre é possível garantir que a dieta seja equilibrada e tenha todos os nutrientes necessários. A carência de micronutrientes provoca um fenômeno pouco conhecido da população: a fome oculta.
Renata ressalta que, antes de pensar em tratamento, o ideal é fazer sempre a prevenção. “Se você perceber que seu filho não está tendo uma alimentação adequada, o ideal é procurar uma orientação nutricional para entender quais são as dificuldades da criança, que irá investigar o que ela não gosta e o que aceita para, então, fazer as recomendações de acordo com cada caso sobre como os pais devem agir”, recomenda a médica.
De modo geral, o indivíduo não percebe que está com algum problema até que o quadro se agrave. É comum que o diagnóstico ocorra apenas quando a falta de nutriente vire uma doença. Entretanto, mesmo que a fome oculta não evolua, a condição ocasiona prejuízos à saúde em fases iniciais.
Diferente do que muitos pais acreditam, esse tipo de suplemento não têm a função de fazer a criança ter fome, conforme alerta Renata. “Geralmente esse suporte é utilizado até a criança se alimentar melhor e melhorar da fome oculta, o que leva, em média, três meses. É importante dizer que a suplementação não é para abrir apetite, e sim para dar suporte nutricional, e sempre deve ser orientado por um médico pediatra.”
“Claro que tudo isso pode ter relação também com outras questões como emocionais, estresse, intoxicações e desequilíbrios hormonais”, completa a especialista.
"Diferentemente da fome clássica, a fome oculta ocorre mesmo entre as pessoas que ingerem calorias em quantidades suficientes. É comum também entre os indivíduos que estão acima do peso", destaca Maria Fernanda Elias, nutricionista e PhD em Nutrição Humana pela USP (Universidade de São Paulo) e gerente da DSM Nutrição e Saúde Humana para América Latina.
Ao contrário do que se imagina, a fome oculta não atinge somente quem é magro ou está baixo peso, mas qualquer pessoa com alimentação inadequada. “Na falta de nutrientes, fica ainda mais difícil o bom funcionamento do metabolismo e a queima de gordura”, detalha a nutricionista.
Um ponto fundamental a ser considerado é que a fome oculta geralmente é assintomática, pois provoca poucas alterações fisiológicas. Acontece uma carência não explícita de um ou mais micronutrientes, que podem ser imperceptíveis em um exame clínico de rotina, por exemplo.
A fim de garantir um mesmo padrão na coleta de dados nos cinco centros participantes do estudo, a nutricionista elaborou um programa de treinamento para avaliação nutricional voltado às equipes de pesquisadores responsáveis por obter esses dados. Dessa inciativa, foi criado um painel detalhado sobre o perfil das gestantes, que tiveram parto e pós-parto acompanhados por pesquisadores, identificando, entre outras coisas, os hábitos alimentares (uma questão multifatorial) dessas mulheres em cada uma das três regiões do país. Criou-se também um biobanco com amostras de sangue e cabelo das grávidas em acréscimo ao banco de dados contendo as medidas antropométricas (de peso), o índice de massa corpórea, as pregas cutâneas e os hábitos alimentares (apresentando os alimentos em si e o cálculo dos respectivos nutrientes).
A fome oculta em crianças pequenas causa efeitos devastadores. Os especialistas entrevistados por VivaBem destacam que, além da desnutrição, surgem diversos problemas de saúde, podendo até levar ao óbito. "A falta de ferro, por exemplo, reduz a capacidade das crianças de aprender. As deficiências de vitaminas e minerais essenciais roubam a vitalidade das crianças em todas as faixas etárias e comprometem a sua saúde e o bem-estar", diz Elias.
Segundo a pesquisa, o Sudeste e o Sul registraram resultados mais preocupantes do que o Nordeste. “Percebemos que as gestantes da região Nordeste se alimentam melhor que as mulheres das regiões Sul e Sudeste porque consomem mais alimentos in natura, como frutas e vegetais, além de sementes e castanhas, que contêm selênio e zinco. Em geral, elas comem calorias mais adequadas àquele momento da gestação. No Sul e Sudeste, a grande questão são os açúcares e os alimentos ultraprocessados e industrializados em excesso, que resultam em má nutrição e sobrepeso. Comese muito hambúrguer, presunto e misto quente, mas pouco feijão, arroz e peixe. É uma questão de hábitos. Infelizmente, os bons hábitos alimentares característicos da dieta dos brasileiros estão sumindo do cardápio”, lamenta a nutricionista.
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Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o problema acontece por conta da falta de vitaminas e minerais no organismo, devido ao consumo insuficiente de alimentos como frutas, legumes, peixes e carnes. Estima-se que a fome oculta atinja uma em cada quatro pessoas no mundo, ou seja, 25% da população.
Já quando há falta de um micronutriente específico, a fome oculta acarreta problemas de saúde bastante distintos. Entre os mais comuns estão a anemia por deficiência de ferro, a cegueira noturna ou problemas de visão e imunidade baixa.
“Não basta matar a fome e controlar o peso, é preciso nutrir adequadamente”, diz Maria Julia de Oliveira Miele, vencedora do Prêmio Capes de Tese de 2023 na categoria Medicina III, com a pesquisa de doutorado “Associação entre estado nutricional materno e os desfechos gestacionais adversos em coorte de nulíparas de baixo risco”.
Cecatti destaca que o consumo de ultraprocessados é algo típico das grandes cidades. “Nós vivemos, inclusive, uma epidemia de obesidade devido ao consumo de alimentos inadequados”, diz o orientador. De acordo com a pesquisadora, o padrão alimentar associado à obesidade pode aumentar em duas a três vezes a chance de a gestação ter algum desfecho indesejável, como pré-eclâmpsia ou diabetes gestacional.
Em 2015, registraram-se mais de 2,5 milhões de natimortos em todo o mundo e 300 mil mulheres morreram por questões relacionadas à gravidez, aponta a pesquisadora em sua tese. Ao abraçar seu objeto de pesquisa, Miele buscou contribuir para a prevenção desse tipo de perdas. Meses após a defesa da tese, a pesquisadora começou a trabalhar como consultora internacional para consumo alimentar da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) e hoje analisa dados de diversos países e seus diferentes perfis de padrão alimentar. Esses dados são publicados em uma plataforma de ciência aberta, utilizada também na criação de políticas públicas. “Isso foi resultado direto do conhecimento que adquiri durante a tese”, confirma a nutricionista.
Dicas práticas ajudam a ganhar a batalha. O prato deve ser colorido, um sinal de variedade de vitaminas e minerais. Abusar de frutas, verduras e legumes também é uma boa opção para se alimentar de forma balanceada. Acrescente uma proteína (carne magra, frango, peixe, leite, ovo, queijo, feijão), um carboidrato integral (arroz) e um pouco de gordura saudável (azeite).
Estudos tem uma mostrado uma relação existente entre a fome oculta com a origem das doenças crônicas não transmissíveis, destacando as doenças cardiovasculares e ósseas, câncer, obesidade, diabetes mellitus, síndrome metabólica, entre outras.
“Não há nada que faça meu filho comer bem. Como ele fica muito tempo na creche, não consigo participar desse processo durante a semana, e no fim de semana sinto que é tão difícil fazê-lo comer frutas e legumes que acabo desistindo e cedendo aos doces e salgadinhos”, confessa a recepcionista Miriam Camargo, de 26 anos, mãe do Matheus, de cinco anos.