“Na minha época, a coisa era infinitamente mais difícil. Tínhamos Dona Ivone Lara no Império Serrano, desde os anos 1960, e só. Então, causou espanto quando o Zé Branco, tesoureiro da ala de compositores da Mangueira, me apresentou, porque já sabia que eu compunha sambas. Aí me disseram: ‘Volta semana que vem, com uma carta, explicando os motivos…”
Você atribui a que isso, qual foi o equívoco histórico após a abolição da escravidão? A falta de reforma agrária? Qual a questão que está entranhada até hoje na nossa cultura?
Embora tenha cursado direito pela Universidade Gama Filho, Leci dedicou grande parte de sua vida e obra exclusivamente à música. Em 1973, a cantora passa a frequentar o Teatro Opinião, local de resistência contra a ditadura militar, e arremata o primeiro lugar no II Encontro Nacional dos Compositores de Samba com a canção “Quero Sim”- uma parceira com Darcy da Mangueira.
Após este episódio, Leci permanece cinco anos sem gravar, mas aproveita o período para participar de campanhas políticas e realizar shows em defesa das minorias, do povo negro, das mulheres e dos trabalhadores. Foi convidada a se apresentar em diversos eventos com sindicalistas, estudantes, índios, movimentos feministas, população LGBT e, principalmente, o movimento negro.
A parceria com uma gravadora multinacional, entretanto, não durou muito. As letras da compositora passaram a ser vistas como demasiadamente críticas e seu contrato acabou rescindido em 1980.
Sem subterfúgios, leva os manifestos políticos em defesa de direitos, da liberdade, da educação, do respeito à diversidade, presente nas letras de suas músicas – desde a década de 1970 – para dentro da Assembleia Legislativa de São Paulo – seu gabinete é conhecido como “Quilombo da diversidade”.
Para a deputada, que vem ressaltando a importância das comunidades tradicionais e da cultura afro-brasileira na Assembleia Legislativa de São Paulo, o samba e suas tradições são parte da história do nosso país. Preservar a memória e cultivar culturas populares é garantir o futuro de um povo.
Em 2005, com músicas bem-recebidas por público e crítica, a sambista comemora 25 anos de carreira e grava seu primeiro disco ao vivo. Em 2007, lança o DVD Canções afirmativas, com uma parceira com o rapper Mano Brown (1970), do Racionais MCs, na contundente faixa “Deixa, deixa”, que conta com versos como “Deixa ele votar / É melhor / Do que ele sacar de uma arma / Pra nos matar”.
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Educação, manutenção das cotas, cursinhos gratuitos, o governo tem que fazer políticas públicas para ajudar a estruturar quem faz trabalho voluntário nas comunidades. Tem uma juventude fantástica que está fazendo muita coisa legal, tem muito jovem ensinando dança, pintura, incentivando literatura, a rapaziada do hip-hop faz isso muito bem. Esses jovens artistas dialogam muito com a juventude, vão pra dentro das favelas e fazem coisas maravilhosas sem incentivo. Os gestores não conseguem entender esse trabalho maravilhoso que essa galera está fazendo.
Em 2010, filia-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pelo qual é eleita deputada estadual de São Paulo. É reeleita nas eleições de 2014 e 2018. Como parlamentar, atua sobretudo na defesa da cultura popular e em temas como igualdade racial e valorização das tradições de matriz africana.
A artista debutou no cenário musical como cantora e compositora com a ajuda do crítico musical Sérgio Cabral que a apresentou à Discos Marcus Pereira. Sua primeira aparição pública foi no programa “A Grande Chance”, de Flavio Cavalcanti, na TV Tupi, no final da década de 1960.
Aos 75 anos, a sambista Leci Brandão é uma referência para a resistência negra. Ficou famosa por suas músicas, principalmente a Zé do Caroço, que foi composta durante a ditadura militar e até hoje é um hino em toda roda de samba, mas também pela sua representatividade no âmbito parlamentar. Em 2010 foi eleita pelo PCdoB a segunda deputada estadual negra da história da Assembleia Legislativa de São Paulo, e em 2018 foi referendada mais uma vez para o seu terceiro mandato.
Leci sempre foi também uma militante natural na defesa da população negra, não tem formação superior. “Eu só tenho a Universidade da vida”, como costuma dizer. Durante o segundo governo Lula foi a representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPOR) e também integrou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM). A partir de São Paulo, onde mora há mais de duas décadas, dispõe seu mandato parlamentar na Alesp às mulheres, negros, indígenas, LGBT`s, dentre outros setores desprivilegiados da sociedade brasileira.
Mas o samba teve primazia em sua trajetória. Em 1972, Leci quebrou muitos estigmas ao tornar-se a primeira mulher a fazer parte do time de compositores da Estação Primeira de Mangueira. A cantora ainda passaria por um batismo de fogo dois anos depois na casa de Cartola, quando seu nome foi citado na roda de partido-alto: foi a primeira vez que Brandão – que acabou se tornando uma craque do partido-alto – versou.
Nascida em Madureira e criada em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, Leci sempre se orgulhou da vida e da educação que teve. De origem humilde, como ela própria define, era filha de Dona Lecy, servente de escola pública. Em casa, além dos sambistas e clássicos do choro, seu pai escutava diversos discos de ópera e jazz.
Entre os mais recentes e importantes, o que resultou de seu trabalho de 2015, quando a artista completou 40 anos de carreira artística e foi premiada, no ano seguinte, na categoria melhor cantora de samba na 29º edição do Prêmio da Música Brasileira, com o CD Simples Assim – Leci Brandão.
Entre eles, Dandara, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus, Tereza de Benguela e Marielle Franco.